RMP – Nº 179 | Edição Papel

Resumos

Novas (inter)secções entre o Direito do Trabalho e o Direito da Concorrência a partir do Direito
da União Europeia: Ouroboros, no-poach agreements e wage-fixing agreements

João Zenha Martins
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa/ NOVA School of Law

O texto incide sobre a forma como determinados acordos que limitam a liberdade de trabalho à margem da vontade dos trabalhadores devem ser juridicamente valorados. Essa valoração cruza elementos de Direito nacional e de Direito da União Europeia, convocando novas relações entre o Direito da Concorrência e o Direito do Trabalho, muito por força da visão de que a concorrência entre empresas já não é determinada apenas pela qualidade dos produtos ou serviços que oferecem aos consumidores mas sobretudo pelas condições remuneratórias dos seus trabalhadores

Discapacidades, status cognitivo e direitos políticos: as fronteiras da (in)justiça

Joaquim Correia Gomes
Juiz Desembargador
Doutorando em Filosofia do Direito https://orcid.org/0009-0005-7112-809X

As pessoas com discapacidades, mormente aquelas com diversidades inte- lectuais e psicossociais, encontram-se numa posição de acentuada vulne- rabilidade, potenciadoras de desigualdades. Os desenhos legislativos têm tradicionalmente optado por mecanismos jurídicos com base em modelos de substituição da capacidade jurídica (“morte civil”) e de interdição da capacidade eleitoral (“morte política”). A interdição do seu direito de voto e os demais obstáculos à sua participação política continuam a ter como fundamento o seu status cognitivo, avaliado através de testes psiquiátricos, contrariando os direitos humanos das pessoas com discapacidades. Os seus direitos políticos, como sucede com o direito ao sufrágio universal, surgem contemporaneamente como o mais premente desafio para uma sociedade democrática inclusiva.

A defesa do regime democrático como atribuição constitucional do Ministério Público

João Gaspar Rodrigues
Promotor de justiça
Director do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Amazonas
Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra

O estudo analisa a atribuição constitucional da defesa do regime democrá- tico atribuída ao Ministério Público, como instituição meritocrática de sal- vaguarda de direitos. Destaca a carência de uma análise jurídica robusta para determinar os meios de torná-la efectiva. O estudo proposto adopta uma abordagem exploratória, utilizando revisão de literatura e análise de concei- tos-chave para aferir criticamente a questão central. Conclui-se que várias etapas precisam ser superadas até que a função constitucional de defesa do regime democrático adquira status de competência concreta e operacional: conceitualização, meios necessários, operacionalização e obtenção de resul- tados efectivos.

Regime penal especial para jovens adultos e respectivo quadro normativo de referência: de «lei nos livros» a «lei em acção» – subsídios multidisciplinares e de direito comparado rumo a uma práxis renovada

Sandra Filipa Gouveia Martins Gomes Rodrigues
Juiz de Direito

Remetendo para diplomas que já não estão em vigor, conservando termi- nologia ultrapassada (e até rejeitada) e permanecendo por regulamentar, o regime penal especial para jovens adultos, introduzido pelo Decreto-Lei n.o 401/82, de 23 de Setembro, é praticamente letra morta, resumindo-se a um mero factor de ponderação sobre a atenuação especial de penas de prisão. Esta inércia decorrerá da hesitação do legislador entre a assunção de que as especificidades da culpa dos jovens no intervalo etário em questão clamam pela consagração de um Direito efectivamente (re)educador – para a qual o legislador é pressionado sobretudo pelas instâncias da União Europeia e da Organização das Nações Unidas –, e a satisfação da Comunidade. Porém, perspectivada na unidade da Ordem Jurídica, a legislação (complementar ao diploma e este último) já impõe uma opção clara pela priorização da primeira opção. Fazemos uma incursão pelo essencial da doutrina e da jurisprudência. Identificamos os fundamentos em que se escoram e colocamo-los em diálogo com os subsídios multidisciplinares igualmente recolhidos. Concluímos que a aplicação que, em geral, vem sendo feita nos tribunais subverte a ratio legis do Decreto-Lei n.o 401/82 e olvida a respectiva génese multidisciplinar, con- duzindo a resultados que, justamente, o legislador quis evitar, contribuindo para a reprodução do (epi)fenómeno da Delinquência Juvenil. Concluímos ainda que é injustificada a recusa da interpretação actualista daquele diploma.

Do crime de fraude fiscal: quando quem declara o rendimento não foi quem o auferiu

André Teixeira dos Santos
Juiz de Direito
Mestre em Direito

O crime de fraude fiscal é um crime específico, na medida em que pressupõe a violação dum dever fiscal, logo, encontra-se umbilicalmente ligado a quem se encontra adstrito ao cumprimento dessa obrigação extrapenal.

Quem omite na declaração de rendimentos que estava obrigado a decla- rar poderá incorrer num crime de fraude fiscal. E quem declara falsamente que os auferiu? Poderá ser responsabilizado criminalmente quem falsamente declara ao Fisco ter auferido rendimentos com o intuito de o verdadeiro titu- lar desses rendimentos lograr ocultar do Estado tais rendimentos, actuando ambos em conluio?

Haverá diferença se os rendimentos forem de proveniência lícita ou ilícita, nomeadamente advindos da prática de um crime?

Tais questões são o objecto do estudo.

No crepúsculo da justeza: epistemologias feministas e potenciais novos percursos para o Direito

Rute Almeida
Procuradora da República

O Direito alicerça-se em métodos e formalismos por vezes avessos a novas abordagens, nomeadamente as oferecidas pelas teorias feministas do direito (TFD).

No entanto, o facto de o Direito ser um mundo estranho que, nas pala- vras de Teresa Pizarro Beleza, liberta, mas também, subjuga, exige, preci- samente, que esses métodos e formalismos sejam contestados em busca da almejada justiça.

As TFD buscam caminhos para o direito que permitam ver o mundo pelas consequências que uma lei aparentemente neutra pode ter na vida das pessoas, afastando-a sempre que criar desigualdade, tendo por base o artigo 13.o da Constituição da República Portuguesa.

O texto pretende contribuir para a reflexão sobre o método tradicional do Direito, sobre as TFD e sua aplicação prática no quotidiano judiciário, aflorando igualmente a aplicação de uma perspectiva de género na actividade diária dos Tribunais.

Proibição do direito de voto em decisão de acompanhamento de maior
Recurso de revista excepcional

José P. Ribeiro de Albuquerque
Procurador-Geral Adjunto

Alegações apresentadas em processo junto do TRE para efeitos de interven- ção excepcional do STJ. Ilustram a vinculação funcional e garantística do Ministério Público no exercício prático das suas competências, funções e res- ponsabilidades sociais para a máxima efectivação dos direitos fundamentais, especialmente das pessoas mais vulneráveis, cujas condições de autonomia, igualdade e dignidade não dependem delas. O recurso é sempre um garante do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, mas também uma via que faz evoluir o Direito que, no caso concreto, ainda espera pronúncia do TC.

Repercussão de tributo municipal por empresa privada no consumidor final
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020 e os novos paradigmas de acções e jurisprudência na sua esteira

Catarina Valente
Procuradora da República

O Acórdão do STA de 14.10.2020, P. 0506/17.2BEALM, veio decidir defi- nitivamente a questão da legitimidade processual passiva em acções em que é sindicada a legalidade do acto de repercussão de taxa municipal, tendo tal acto sido praticado por entidade privada. E, ao fazê-lo, deu azo a uma solução inédita em sede de processo tributário, passando as acções de impugnação judicial em causa a ser propostas contra as pessoas colectivas de direito pri- vado autoras do acto de repercussão impugnado.

Ultrapassado o obstáculo relativo àquela questão, foi aberto caminho para a apreciação da questão de fundo, a propósito da qual tem vindo a con- solidar-se jurisprudência quer ao nível do STA quer ao nível do TC, aquela sobre a (i)legalidade do acto de repercussão e esta sobre a (in)constituciona- lidade orgânica das normas que autorizaram a repercussão em apreço.