Informação adicional
Revista Formato Papel | Não Sócio, Sócio |
---|
9.00 € – 18.00 €
Ano 45 – 2024*
Abril | Junho 2024
Propriedade e Edição: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Revista Formato Papel | Não Sócio, Sócio |
---|
A questão da culpa no incumprimento das injunções e regras de conduta em sede de suspensão provisória do processo
Luís Vaz Bravo
Procurador da República
O Código de Processo Penal trata de forma muito lacónica a questão do não cumprimento das injunções e regras de conduta impostas em sede de suspensão provisória do processo, o que tem deixado vários problemas em aberto, designadamente, quanto à questão de saber se apenas um incum- primento culposo poderá fundamentar a revogação da suspensão provisória do processo e, por outro lado, se em caso de incumprimento é legalmente admissível prorrogar o prazo da suspensão inicialmente fixado e/ou a impor novas injunções/regras de conduta.
No presente trabalho, o Autor procede a uma análise estrutural e a um exame funcional do instituto processual da suspensão provisória do processo com o propósito de evidenciar que esta forma consensual de resolução do conflito, ao contrário do que é defendido pela generalidade da doutrina e jurisprudência portuguesa, não pode ser equiparada à suspensão da execução da pena de prisão, reclamando soluções próprias para os concretos proble- mas jurídico-processuais-penais que surgem no decurso da sua aplicação.
A tomada em consideração da finalidade político-criminal subjacente à suspensão provisória do processo e o modo como este instituto está legal- mente configurado conduz o Autor à apresentação das respostas que, em sua opinião, poderão melhor garantir a satisfação das finalidades preventivas que a cada momento se façam sentir, procurando evitar soluções que coloquem em crise as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica.
¿La verdad en la mirada del testigo?
Vieja respuesta a una emergencia no nueva
Perfecto Andrés Ibáñez
Magistrado emérito del Tribunal Supremo (España)
La incorporación de la libre convicción, tomada del jurado inglés, a la justicia del continente, fue asumida por las magistraturas profesionales como una suerte de licencia para la arbitrariedad. Tal actitud tuvo (y tiene) su mejor expresión en la idea de la inmediación como una especie de infalible método de conocimiento judicial. Este criterio sigue contando con increíble vigen- cia, a pesar de estar desmentido por la experiencia científica e incluso por el buen sentido. Y en este momento su uso se ha visto reforzado, sobre todo, mediante la recuperación de la inaceptable figura del testigo privilegiado apli- cada a la víctima de la conocida como violencia de género. Un fenómeno este ciertamente odioso y bien merecedor de una enérgica respuesta penal. Pero esta solo debería producirse en el respeto de las garantías y de las reglas que rigen la adquisición racional de un conocimiento empírico de calidad.
Noch einmal: o problema da punibilidade, ou não, da burla processual no Direito português
Duarte Rodrigues Nunes
Professor associado da Universidade Europeia e da Universidade Lusíada de Angola;
Doutor em Direito; Jurisconsulto; Investigador do CIDPCC e do CIJIC Juiz de Direito actualmente em situação de licença sem retribuição
Apesar de o crime de burla ser um crime de execução vinculada, pode ser cometido através da utilização dos expedientes mais variados expedientes (documentos, meios informáticos, meios “tradicionais”, declarações expres- sas, factos concludentes, etc.). A questão da punibilidade (ou não) da burla processual tem merecido pouca atenção da Doutrina e as decisões judiciais são escassas, embora sendo claramente maioritário o entendimento de que a burla processual não constitui crime de burla. No presente artigo analisa-se o problema da possibilidade (ou não) do cometimento do crime de burla atra- vés da utilização de processos judiciais (burla processual) partindo da apre- ciação crítica dos argumentos que têm sido aduzidos num sentido e noutro à luz da nossa ordem jurídica, da análise do Direito comparado, da aferição da suficiência/adequação dos mecanismos sancionatórios processuais para tutelar os direitos e interesses lesados pelas condutas subsumíveis à burla processual. No presente artigo, conclui o Autor que as condutas subsumíveis à burla processual são puníveis como crime de burla, tendo em conta a sua dignidade penal e carência de tutela penal e o facto de tais condutas preen- cherem todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla.
O impacto da Inteligência Artificial nos tribunais: aproximação a um “Smart Juízo” em Lisboa e no Porto?
Maria do Carmo S. M. Silva Dias
Juíza Conselheira no STJ
Mestre em Direito
A IA é essencial nos Tribunais, se for segura e fiável, o que exige que possa ser fiscalizada, supervisionada, testada para evitar erros e, ao mesmo tempo, melhorada, sendo sempre salvaguardados os direitos humanos e questões éticas que se coloquem. Mas será a justiça das máquinas (a smart justiça, quando faz o prognóstico da decisão do caso concreto) equivalente à jus- tiça humana, para a poder substituir? Será que a sedução da IA no domí- nio jurídico vai fazer esquecer “a essência humana do Direito”? Ou a melhor opção será combinar a ciência jurídica com o futuro tecnológico, evitando margens de arbitrariedade e erros de uma e de outro, sem cair na “algocra- cia”, nem permitindo que esta venha a substituir a democracia? Na era do “self-service” jurídico (expressão de B. Goodman), o recurso aos sistemas de IA como auxiliar nos tribunais, é possível desde que sejam fiáveis, seguros, transparentes, imparciais, para serem, também, credíveis (ver Regulamento da IA aprovado no Parlamento Europeu em 13.03.2024). Em matérias sim- ples em que todos estão de acordo, em que o tribunal dá respostas uniformes, em larga escala e de forma repetitiva, poderia pensar-se, sob determinadas condições, criar um smart juízo no Porto e Lisboa.
O Juiz-robot versus a independência judicial
André Teixeira dos Santos
Juiz de Direito
Mestre em Direito
Nos últimos anos tem havido alguma euforia em torno do emprego da Inte- ligência Artificial na Justiça, mormente nos Tribunais. O Autor trata das fer- ramentas actualmente existentes no estrangeiro ao mesmo passo que enuncia algumas ferramentas que seriam úteis que fossem criadas e usadas nos Tri- bunais. O texto constitui um alerta e uma reflexão para os perigos que certas ferramentas de Inteligência Artificial podem representar para a própria Jus- tiça e Estado de Direito Democrático, ainda que sob as vestes aparentemente anódinas de meros auxiliares.
A Administração Pública pode usar programas de inteligência artificial para automatizar actos administrativos?
Gonçalo Sá Gomes
Mestrando em Direito Administrativo, Faculdade de Direito da Universidade Católica
Neste pequeno texto, o Autor tenta perceber se, à luz do CPA, a Administra- ção pode utilizar sistemas de inteligência artificial, com vista à automatização de actos administrativos.
A análise procura, na medida do possível, ângulos que, na sua opinião, tendem passar despercebidos à doutrina e ao legislador. Procura identificar a natureza jurídica destes programas e descobrir os limites da sua a admis- sibilidade em função da natureza (discricionária ou vinculada) do acto que visam automatizar. A análise passa pelo estudo de algumas fragilidades da prática jurídica, maxime, o exercício da função jurisdicional, pois, tais debili- dades, não só convocam reflexões sobre o modo como o Direito é pensado e aplicado, mas também sugerem uma especial necessidade de utilizar progra- mas de inteligência artificial com cautela.
A revisão oficiosa do acto tributário a pedido do contribuinte e a suspensão da execução fiscal Uma (re)leitura integrada de Direito fiscal e de Direito administrativo
Paulo Marques
Docente na Faculdade de Direito de Lisboa
(Grupo de Ciências Jurídico-Económicas)
A doutrina e a jurisprudência têm refutado reiteradamente a admissibilidade da revisão oficiosa a pedido do próprio contribuinte após o prazo de 120 dias como causa suspensiva de execução fiscal, mesmo tendo sido apresen- tada uma garantia idónea para o efeito. Apenas se tem entendido pela sua admissibilidade quando tiver havido um pedido de revisão quando este foi apresentado ainda naquele prazo-regra de reclamação graciosa
No entanto, a própria lei tem harmonizado aquelas duas modalidades de revisão para efeitos de direito a juros indemnizatórios a favor do próprio contribuinte. Mais, a doutrina e a jurisprudência têm admitido em diversas situações a suspensão da execução fiscal, por sinal em prazos bastante dila- tados, designadamente nos casos de recurso hierárquico subsequente a uma reclamação graciosa e mesmo de impugnação judicial de autoliquidação.
A suspensão da execução fiscal pressupõe uma ponderação equilibrada entre a prossecução do muito relevante interesse público financeiro do Estado e a tutela dos direitos e interesses do contribuinte, em conformidade com os princípios da legalidade e mesmo da proporcionalidade.
Contrato de trabalho e subordinação: um regime de trabalho verdadeiramente humano? Algumas reflexões sobre
a perspectiva de Alain Supiot
Dina Cochicho Cília
Professora Adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa / Instituto Politécnico de Lisboa Doutoranda em Direito Privado na NOVA School of Law da Universidade Nova de Lisboa
Partindo da perspectiva, ou perspectivas, de Alain Supiot, este trabalho analisa o conceito de subordinação jurídica no contrato de trabalho, reflec- tindo se o conceito, tal como se encontra actualmente conceptualizado pelo Direito, maxime pelo Direito do Trabalho, consagra um regime de traba- lho verdadeiramente humano. A abordagem da Autora compreende dois aspectos: primeiro, contrapondo o velho paradigma filosófico/sociológico do trabalho-mercadoria e o conceito de regime de trabalho verdadeiramente humano; segundo, debatendo os conceitos de subordinação jurídica e de regime de trabalho verdadeiramente humano.
A Autora faz um breve resumo contextualizando o percurso do autor, para um leitor menos informado, e a sua metodologia fundamentar-se-á na perspectiva de Alain Supiot constante em duas das suas obras recentes, sem prejuízo de referências a outros trabalhos da sua autoria, e comparando- -os esporadicamente com aspectos do Direito do Trabalho Português e Francês.
The issue of guilt in non-compliance with injunctions and rules of conduct in the context of provisional suspension of proceedings
Luís Vaz Bravo
Public Prosecutor
The Code of Criminal Procedure deals in a very laconic manner with the issue of non-compliance with injunctions and rules of conduct imposed in the case of a provisional suspension of proceedings, which has left several problems open, namely, as to whether only culpable non-compliance can jus- tify the revocation of the provisional suspension of the proceedings and, on the other hand, whether in a case of non-compliance, it is legally permissible to extend the period of the suspension initially set and/or to impose new injunctions/rules of conduct.
In the present article, the Author carries out a structural analysis and a functional examination of the procedural institution of the provisional sus- pension of proceedings in order to show that this consensual form of conflict resolution, contrary to what is defended by most Portuguese doctrine and jurisprudence, cannot be equated with the suspension of the execution of the prison sentence, claiming its own solutions to the concrete legal-procedural- -criminal problems that arise during its application.
Taking into account the political-criminal purpose underlying the provisio- nal suspension of proceedings and the way in which this institution is legally configured leads the Author to present the answers that, in his opinion, can best ensure the satisfaction of the preventive purposes that are felt at all times, seeking to avoid solutions that put in crisis the minimum and inalie- nable requirements of the defense of the legal order.
The truth in the eyes of the witness? Old response to a non-new emergency
Perfecto Andrés Ibáñez
Magistrate Emeritus of the Supreme Court (España)
The incorporation of free conviction, borrowed from the English jury, into Continental justice was taken by the professional magistracies as a kind of licence for arbitrariness. Such an attitude had (and has) its best expression in the idea of immediacy as a kind of infallible method of judicial knowledge. This criterion is still incredibly valid, despite being contradicted by scientific experience and even by good sense. And its use has now been reinforced, above all, through the recovery of the unacceptable figure of the privileged witness applied to the victim of what is known as gender violence. A phe- nomenon that is certainly odious and well deserving of a strong criminal response. But this should only take place in compliance with the guarantees and rules governing the rational acquisition of quality empirical knowledge.
Noch einmal: the problem of the punishability, or not, of procedural fraud in Portuguese law
Duarte Rodrigues Nunes
Associate professor at the European University and the Lusíada University of Angola; PhD in Law; Jurisconsult; Investigator of CIDPCC and CIJIC
Judge currently on leave without remuneration
Although the crime of fraud is a crime of linked execution, it can be com- mitted through the use of the most varied expedients (documents, com- puter means, “traditional” means, express statements, conclusive facts, etc.). The question of the punishability (or not) of procedural fraud has recei- ved little attention from doctrine and judicial decisions are scarce, although the majority understanding is that procedural fraud does not constitute a crime of fraud. This article analyzes the problem of the possibility (or not) of committing the crime of fraud through the use of legal proceedings (pro- cedural fraud) based on the critical appreciation of the arguments that have been presented in one sense and another under our legal order, the analysis of comparative law, the assessment of the sufficiency/adequacy of procedural sanctioning mechanisms to protect the rights and interests harmed by pro- cedural fraud. In this article, the Author concludes that conduct constituting procedural fraud is punishable as a crime of fraud, taking into account its cri- minal dignity and lack of criminal protection and the fact that such conduct fulfills all objective and subjective elements of the crime of fraud.
The impact of Artificial Intelligence in the courts: approaching a “Smart Court” in Lisbon and Porto?
Maria do Carmo SM Silva Dias
Judge Counselor at the Supreme Court of Justice
LL.M. Graduate (Master of Law)
AI is essential in the Courts, if it is safe and reliable, which requires that it can be inspected, supervised, tested to avoid errors and, at the same time, impro- ved, always safeguarding human rights and ethical issues that arise. But is the justice of machines (smart justice, when it renders a decision in a case) equi- valent to human justice, and so able to replace it? Will the appeal of AI in the legal field make us forget “the human essence of law”? Or will the best option be to combine legal science with the technological future, avoiding margins of arbitrariness and errors of one and the other, without falling into “algo- cracy”, nor allowing it to replace democracy? In the era of legal self-service (B. Goodman’s expression), the use of AI systems as auxiliary in courts is possible as long as they are reliable, secure, transparent, impartial, and also credible (see AI Regulation approved by the European Parliament on 13.03.2024). In simple matters in which everyone agrees, in which the court gives uniform answers, on a large scale and repetitively, it could be thought, under certain conditions, to create a smart court in Porto and Lisbon.
The robot judge versus judicial independence
André Teixeira dos Santos
Judge
LL.M. Graduate (Master of Law)
In recent years there has been some euphoria around the use of Artificial Intelligence in Justice, especially in the Courts. The Author deals with the tools currently available abroad while simultaneously listing some tools that would be useful if they were created and used in the Courts. The text consti- tutes a warning and a reflection on the dangers that certain Artificial Intelli- gence tools can pose to Justice itself and to the Democratic Rule of Law, even if under the apparently anodyne guises of mere assistants.
Can the Public Administration use artificial intelligence programs to automate administrative acts?
Gonçalo Sá Gomes
Master’s Degree in Administrative Law, Faculty of Law of the Catholic University
In this short text, the Author tries to understand whether, in the light of the Code of Administrative Procedure, the Administration can use artificial intelligence systems with a view to automating administrative acts.
The analysis seeks to find, as much as possible, angles that, in his opi- nion, tend to go unnoticed by the doctrine and the legislator. It seeks to identify the legal nature of these programs and discover the limits of their admissibility depending on the nature (discretionary or linked) of the act they aim to automate. The analysis involves the study of some weaknesses of legal practice, particularly, the exercise of the jurisdictional function, since such weaknesses not only call for reflections on the way the Law is thought of and applied, but also suggests a special need to use artificial intelligence programs with caution.
The unofficial review of the tax act at the request of the taxpayer and the suspension of tax enforcement An integrated (re)reading of tax law and administrative law
Paulo Marques
Lecturer at the Faculty of Law of Lisbon
(Legal-Economic Sciences Group)
Legal doctrine and jurisprudence have repeatedly refuted the admissibility of an ex officio review requested by the taxpayer after the 120-day deadline as a basis for suspending tax enforcement, even when an adequate guarantee has been provided. Such admissibility is only recognized when the review request is submitted within the established 120-day period for administrative appeals.
Nevertheless, the law itself has harmonized these two forms of review in what regards the taxpayer’s right to compensatory interest. Furthermore, both doctrine and jurisprudence have, in various instances, sanctioned the suspension of tax enforcement, often over significantly extended periods, especially in cases involving hierarchical appeals subsequent to administra- tive appeals and even in judicial challenges of self-assessment.
The suspension of tax enforcement requires a balanced consideration between the critical public financial interests of the State and the protection of the taxpayer’s rights and interests, adhering to the principles of legality and proportionality.
Employment contract and subordination: a truly human work regime? A few thoughts on Alain Supiot’s perspective
Dina Cochicho Cília
Associated Professor at Lisbon Accounting and Business School / Polytechnic University of Lisbon
PhD Student at NOVA School of Law
Starting from Alain Supiot’s perspective, or perspectives, this text analy- ses the concept of legal subordination in the employment contract, questio- ning whether such concept, as currently conceptualized by Law, maxime by Labour Law, enshrines a truly human work regime. The approach comprises two aspects: first, opposing the old philosophical and sociological paradigm of labour as a commodity and the concept of a truly human work regime; second, discussing the concepts of legal subordination and a truly human work regime.
It will start with a brief informative summary contextualizing the author’s trajectory, for a less informed reader, and the methodology will be based on an analysis of Alain Supiot’s insight as expressed in two of his recent works, without prejudice to references to other works of his. The Author seeks to analyse his doctrinal concepts by sporadically comparing them with aspects of Portuguese and French Labour Law.