RMP – Nº 176

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Ano 44 – 2023*
Outubro | Dezembro 2023
Propriedade e Edição: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Categoria:

Informação adicional

Revista Formato Papel

Não Sócio, Sócio

Resumos

More Regulation is Better Regulation?– Compliance Cooperativo Inteligente na Prevenção e Luta contra o Branqueamento

Anabela Miranda Rodrigues
Professora Catedrática da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Presidente da Associação Internacional de Direito Penal-Grupo Português (AIDP-GP)
Presidente do Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE)

Neste artigo, analisa-se até que ponto uma evolução do compliance no sentido cooperativo público-privado de dupla via na prevenção e luta contra o branqueamento aliada à utilização de sistemas autónomos e de Inteligência Artificial para cumprir as exigências impostas pelos reguladores podem contribuir para melhorar a sua efectividade. Neste contexto, confronta-se o fenómeno do overcompliance e a necessidade de o contrariar, tendo em conta, designadamente, a captura regulatória das entidades públicas que lhe anda associada, bem como os custos do compliance, da perspectiva dos direitos fundamentais que sacrifica, fazendo um breve enquadramento dos desenvolvimentos legislativos em curso na União Europeia em matéria de prevenção e luta contra o branqueamento.


A repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras no alto mar: subsídios para a interpretação do dever de resposta ‘sem demora’ do Estado do pavilhão à luz do direito internacional

Marta Chantal Ribeiro
Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Doutoramento em Direito do Mar

O estudo tem como ponto de partida uma decisão tomada, no dia 7 de Junho de 2023, pelo Juízo de Instrução Criminal de Ponta Delgada, que estimula a aprofundar a origem, o contexto e as consequências do dever de resposta ‘sem demora’ do Estado do pavilhão aos pedidos formulados por um Estado que pretende intervir a bordo de embarcação estrangeira no alto mar por suspeita de tráfico de droga. Com este fim, após enquadramento no direito internacional e no direito penal português, explora-se uma interpretação dos artigos 4.º e 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, alicerçada na prática posterior dos Estados de cariz regional, bilateral ou unilateral, demonstrando-se que o princípio da cooperação conduz à flexibilização do princípio do consentimento do Estado do pavilhão. Respeitadas certas premissas e condições, defende-se que o silêncio do Estado do pavilhão é equivalente a autorização tácita para actuação a bordo e a renúncia à jurisdição penal preferencial, em favor do Estado interveniente, assim se atenuando os efeitos da falta de reconhecimento, até à data, de verdadeira jurisdição universal para reprimir o tráfico de droga.


Punição do concurso de contra-ordenações e conexão processual

Nuno Brandão
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Um agente a quem sejam imputadas, em processo contra-ordenacional, diversas infracções sujeitas ao regime punitivo previsto no artigo 19.º do RGCO deverá ser sancionado numa coima única conjunta. O artigo analisa os termos em que se deverá proceder a esse sancionamento, tanto num plano substantivo, como processual, ligando o tema da punição do concurso efectivo de contra-ordenações ao da conexão processual no âmbito do processo contra-ordenacional.


Prática restritiva da concorrência – busca e apreensão de mensagens de correio electrónico pela Autoridade da Concorrência nas instalações das empresas por mandado do Ministério Público – o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/2023

Manuel Pelicano Antunes
Procurador da República no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão

O texto relembra que o direito nacional sancionatório da concorrência integra o sistema jurídico europeu da concorrência, sendo este de aplicação imperativa e directa na ordem jurídica interna por força do princípio do primado. O Tribunal Constitucional aplicou de forma isolada as disposições dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 4, e 34.º, n.º 1 e n.º 4, da Constituição à norma processual formada pelas normas dos artigos 18.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, e 20.º da Lei da concorrência sem atender a uma leitura multinível, exercício que lhe teria permitido validar, à luz da Carta e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, a realização do exame, busca e apreensão do correio electrónico das empresas pela Autoridade da Concorrência suportada em mandado do Ministério Público, se necessário mediante a desaplicação ex officio das normas nacionais de qualquer fonte. Em alternativa o Tribunal Constitucional estava vinculado a suscitar o reenvio junto do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.º, 4.º § do TFUE, porquanto o bloco da jusfundamentalidade a partir do qual a disposição nacional dever ser apreciada é o da União e não o bloco de constitucionalidade nacional do Estados-Membros.


A actuação do técnico especialmente habilitado no âmbito das Declarações para Memória Futura: contributos para boas práticas no Sistema de Justiça

Patrícia Mendes,
Delfina Fernandes,
Marlene Matos
Escola de Psicologia Universidade do Minho Portugal

Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e nos crimes de violência doméstica, o testemunho das vítimas é essencial para a decisão judicial dada a frequente ausência de evidências físicas e/ou biológicas dos actos abusivos. Nesse contexto, os procedimentos de recolha do testemunho apresentam-se muitas vezes como determinantes para o desenvolvimento da investigação criminal. O sistema judiciário português concebeu as Declarações para Memória Futura com o intuito de preservar testemunhos importantes que interessam para uma fase posterior do processo criminal, evitando a exposição permanente das vítimas à situação que referem ter vivenciado. Este artigo surge quer do conhecimento prático, quer das reflexões críticas dos profissionais da Unidade de Consulta de Psicologia da Justiça e Comunitária da Associação de Psicologia da Universidade do Minho que têm sido solicitados enquanto técnicos especialmente habilitados para esse procedimento, assim como da investigação científica desenvolvida sobre o tema na Escola de Psicologia da mesma Universidade. Visa elucidar sobre as boas-práticas a adoptar para que o contacto da vítima com o sistema de justiça evite ser potenciador de sofrimento e instabilidade emocional. Sugere-se que tais práticas sejam asseguradas pelos diferentes intervenientes no processo judicial, em etapas subsequentes: antes, durante e depois da diligência. No final apresentam-se algumas considerações sobre as potencialidades e as fragilidades das Declarações para Memória Futura. Com este trabalho procuramos contribuir para se ultrapassar as dificuldades observadas no âmbito desse procedimento e para uma melhor colaboração interdisciplinar, na senda de uma justiça que garanta os direitos das vítimas e a sua recuperação.


A Inteligência Artificial e sua repercussão nos Direitos Fundamentais

André Teixeira dos Santos
Juiz de Direito Mestre em Direito
Formador na Ordem dos Advogados

O desenvolvimento da Inteligência Artificial e potencialidades do seu uso quotidiano tem conhecido uma euforia que reclama uma reflexão. A par das suas mais valias existem consequências susceptíveis de afectar os direitos fundamentais. O artigo visa equacionar alguns dos problemas que os tribunais podem ser chamados a dirimir por força do uso da IA. Nessa medida, elegeram-se como tema a correlação entre IA e o direito à liberdade pessoal, a um processo judicial justo e à tutela jurisdicional efectiva, à intimidade, à protecção de dados, à liberdade de expressão, de informação, criação artística e investigação, às liberdades de reunião e associação, à liberdade sindical e o direito à greve, o direito a não sofrer discriminação, direitos dependentes de acesso a serviços públicos, como a educação, a saúde, direitos sociais, como prestações por desemprego, doença e aposentação, direito a intervir em processos participativos de índole política, como eleições, referendos, iniciativas legislativas populares, liberdades no âmbito ideológico (de pensamento, consciência e religião).


À guisa de recensão de “A execução de penas e medidas na comunidade – probation, vigilância electrónica e justiça juvenil – no futuro digital”

André Lamas Leite
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Investigador Integrado do Centro de Investigação Interdisciplinar sobre Crime, Justiça e Segurança (CJS) da FDUP

O artigo elabora uma recensão da obra em referência, a qual passa em revista o modo como o novo mundo digital tem e terá impactos na probation e, em geral, em todas as medidas penais cumpridas na comunidade, tendo sempre por ponto de referência que o sistema não deixe de ser dominado por humanos e que sejam respeitados os valores jurídico-constitucionais.

Abstracts

More Regulation is Better Regulation?– Intelligent Cooperative Compliance in the Prevention and Fight against Laundering

Anabela Miranda Rodrigues
Assistant Professor of the Faculty of Law of the University of Lisbon.
President of the International Association of Criminal Law – Portuguese Group (AIDP-GP)
President of the Institute of Economic and European Criminal Law (IDPEE)

In this article, we analyze the extent to which an evolution of compliance in the dual-track public-private cooperative sense regarding the prevention and fight against money laundering, combined with the use of autonomous systems and Artificial Intelligence to meet the requirements imposed by regulators, can contribute to improve its effectiveness. In this context, the phenomenon of overcompliance and the need to counter it are debated, taking into account, in particular, the regulatory capture of public entities associated with it, as well as the costs of compliance, from the perspective of fundamental rights that are at stake, providing a brief overview of the legislative developments in progress in the European Union in terms of preventing and combating money laundering.


The repression of drug trafficking on board foreign vessels on the high seas: allowances for the interpretation of the flag State’s duty of response ‘without delay’ under international law

Marta Chantal Ribeiro
Associate Professor at the Faculty of Law of the University of Porto
PhD in Law of the Sea

The starting point of the study is a decision taken on 7 June 2023, by the Criminal Investigation Court of Ponta Delgada, which urged the development of the origin, context and consequences of the duty of response ‘without delay‘ of the flag State to requests made by a State that intends to intervene on board a foreign vessel on the high seas on suspicion of drug trafficking. To this end, after framing the international law and Portuguese criminal law, an interpretation of Articles 4 and 17 of the 1988 United Nations Convention against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances is explored, based on the subsequent practice of regional, bilateral or unilateral States, demonstrating that the principle of cooperation leads to the flexibility of the principle of consent of the flag State. Subject to certain premises and conditions, it is argued that the silence of the flag State is equivalent to tacit authorization to act on board and the waiver of preferential criminal jurisdiction, in favor of the intervening State, thus mitigating the effects of the lack of recognition, to date, of true universal jurisdiction to repress drug trafficking.


Punishment of the concurrence of administrative offenses and procedural connection.

Nuno Brandão
Full Professor at the Faculty of Law of the University of Coimbra

An agent to whom several offenses subject to the punitive regime provided for in Article 19 of the RGCO are attributed, in an administrative offense proceeding, should be sanctioned with a single joint fine. The article analyzes the terms under which this sanctioning should take place, both substantively and procedurally, connecting the theme of punishing the effective concurrence of administrative offenses with that of procedural connection within the scope of the administrative offense proceeding.


Restrictive practice in competition – search and seizure of e-mails by the Competition Authority on company premises by warrant of the Public Prosecutor’s Office – the Judgment of the Constitutional Court No. 91/2023

Manuel Pelicano Antunes
Public Prosecutor at the Competition, Regulation and Supervision Court

The text recalls that national competition law is part of the European competition legal system, which is mandatorily and directly applied in the domestic legal system by virtue of the principle of primacy. The Constitutional Court applied the provisions of Articles 18(2), 32(4), and 34(1) and (4) of the Constitution to the procedural rule formed by the rules of Articles 18(1) (c), (2) and (20) of Competition Law without taking into account a multilevel reading, an exercise that would have allowed it to validate, in light of the Charter and the jurisprudence of the Court of Justice of the EU, the examination, search and seizure of company e-mail by the Competition Authority supported by a warrant from the Public Prosecutor’s Office, if necessary by ex officio non-application of national rules from any source. Alternatively, the Constitutional Court was bound to refer the matter to the Court of Justice, pursuant to Article 267(4) of the TFEU, since the justification from which the national provision must be assessed is that of the Union and not the national constitutionality of the Member States.


The role of specially qualified technicians within the scope of Statements for Future Recall: contributions to good practices in the Justice System

Patrícia Mendes, Delfina Fernandes, Marlene Matos
School of Psychology
University of Minho Portugal

In crimes against sexual freedom and self-determination and in crimes of domestic violence, the testimony of victims is essential for the judicial ruling given the frequent absence of physical and/or biological evidence of abusive acts. In this context, the procedures for collecting testimony are often decisive for the progression of the criminal investigation. The Portuguese judicial system created the Statements for Future Recall in order to preserve important testimonies for a later phase of the criminal process, avoiding the permanent exposure of victims to the situation they report having experienced. This article arises both from the practical knowledge and from the critical reflections of the professionals of the Justice and Community Psychology Consultation Unit of the Psychology Association of the University of Minho, who have been consulted as specially qualified technicians, as well as based on the scientific research developed on the subject at the School of Psychology. It aims to clarify the best practices to adopt so that contact with the justice system does not increase the suffering and emotional instability of the victim. It is suggested that such practices be ensured by the different players in the judicial process, in subsequent stages: before, during and after the process. At the end, some considerations about the strengths and weaknesses of the Statements for Future Recall are presented. With this article we seek to contribute to overcoming the difficulties observed in the scope of this procedure and to improve interdisciplinary collaboration, following a path of a justice that guarantees the rights of victims and their recovery


Artificial Intelligence and its impact on Fundamental Rights

André Teixeira dos Santos
Judge
LL.M. Graduate (Master of Law)
Trainer at the Bar Association

The development of Artificial Intelligence and the potential for its daily application has seen a euphoria that demands reflection. In addition to the added value, there are consequences that may affect fundamental rights. The article aims to address some of the problems that courts may be called upon to resolve by virtue of the use of AI. To this extent, the theme chosen was the correlation between AI and the right to personal freedom, fair judicial process and effective judicial protection, privacy, data protection, freedom of expression, information, artistic creation and research, freedoms of assembly and association, freedom of association and the right to strike, the right not to suffer discrimination, rights dependent on access to public services, such as education, health, social rights, such as unemployment, illness and retirement benefits, the right to intervene in participatory processes of a political nature, such as elections, referendums, popular legislative initiatives, freedoms in the ideological sphere (of thought, conscience and religion).


By way of review of “The use of community penalties and measures – probation, electronic surveillance and juvenile justice – in the digital future”

André Lamas Leite
Professor at the Faculty of Law of the University of Porto
Integrated Researcher of the Interdisciplinary Research Center on Crime, Justice and Security (CJS) of FDUP

The article provides a review of the book in question, which examines how the new digital world has and will have an impact on probation and, in general, on all criminal measures carried out in the community, always bearing in mind that the system must not cease to be dominated by humans and that legal-constitutional values must be respected.

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