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Revista Formato Papel | Não Sócio, Sócio |
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9.00 € – 18.00 €
Ano 44 – 2023*
Julho | Setembro 2023
Propriedade e Edição: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Revista Formato Papel | Não Sócio, Sócio |
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Da consumação (material) da corrupção e o princípio da legalidade criminal Notas a propósito do Ac. do Tribunal Constitucional n.º 90/2019
Ana Carina Nascimento
Procuradora da República
Pedro Gama da Silva
Juiz de Direito
O Ac. do TC n.º 90/2019 julgou inconstitucional a interpretação jurídica que considera que a consumação (material) do crime de corrupção ocorre no momento da entrega da vantagem (e não na data da promessa dessa vantagem), por violação do princípio da legalidade criminal.
Os tipos legais de corrupção – de estrutura iterativa ou reiterada – são constituídos por uma pluralidade de actos típicos, em que uns, uma vez praticados, determinam a consumação típica ou formal do crime, e outros, que podem (ou não) verificar-se, representam a “realização completa do conteúdo do ilícito em vista do qual foi erigida a incriminação” e integram a sua consumação material ou terminação. O momento da consumação vai depender dos actos praticados que constituem o concreto tipo de ilícito.
O início do prazo de prescrição depende dos termos da execução típica do crime de corrupção. Ocorrendo consumação formal, inicia-se a contagem do prazo de prescrição quanto a essa manifestação típica. Se, após, se verificar a consumação material, é esta que prevalece no contexto típico, o que faz com que o momento relevante para o início da prescrição seja o da aceitação da vantagem e da entrega da vantagem e, havendo pluralidade de entregas e recebimentos, o da disponibilização e do recebimento da última parcela.
Tal interpretação jurídica – como reconheceu o Ac. do TC n.º 370/2023 – mostra-se a coberto pelo sentido literal possível do crime de corrupção e plenamente conforme ao princípio da legalidade criminal.
As crianças vítimas de violência doméstica
Rui do Carmo
Procurador da República jubilado
A resposta aos comportamentos violadores dos direitos fundamentais das crianças, nomeadamente à violência nas relações familiares, desenvolve–se não apenas a nível criminal, mas também através de procedimentos de protecção e promoção dos seus direitos e de procedimentos tutelares cíveis, que deverão constituir, em cada caso, uma abordagem e intervenção holísticas.
Violência doméstica e extinção de medidas de coacção processual: em louvor da Relação do Porto
André Lamas Leite
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto Investigador integrado do CJS – Centro de Investigação Interdisciplinar sobre Crime, Justiça e Segurança (FDUP)
Têm sido prolatados acórdãos pela Relação do Porto negando a pretensão do Ministério Público que às medidas cautelares do artigo 31.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, se não aplique o regime geral previsto no Código de Processo Penal (artigo 218.º, n.º 1). Aqui se analisam os argumentos a favor e contra tal hermenêutica, concluindo-se por mais um relevante serviço à Justiça da parte daquele Tribunal.
A intervenção hierárquica do Ministério Público: da admissibilidade de ordens hierárquicas no inquérito
Renata Soeiro
Auditora de Justiça
O artigo debruça-se sobre a admissibilidade de intervenção hierárquica não expressamente prevista na lei, traduzida na emissão de ordens sem suporte legal directo dirigidas ao magistrado titular do inquérito penal. O tema é pensado e analisado muito para além da questão da autonomia do Ministério Público, que, verdadeiramente, assume relevo secundário face àquele que é, para a autora, o cerne da problemática: a competência da autoridade judiciária para a prática de actos processuais penais. Ao longo de todo o estudo, o processo penal é encarado numa perspectiva holística, não como um encadeado de fases processuais desligadas entre si, mas antes como iter lógico e coerente com o modelo de controlo e de repartição do poder decisório criado pelo legislador – o qual poderá ser de difícil compatibilização com o exercício de poderes de direcção ilimitados e não legitimados directamente pela lei.
Da contagem do prazo para a impugnação de actos administrativos – uma proposta de (re)interpretação do regime do artigo 279.º, alíneas b) e c), do Código Civil
Marco Caldeira
Advogado
Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigador do Lisbon Public Law Research Centre (LPL) | Centro de Investigação de Direito Público
A correcta contagem dos prazos de impugnação de actos administrativos anuláveis constitui um aspecto da maior importância na aplicação do regime processual administrativo, uma vez que, salvo nos casos excepcionais previstos Resumos : Abstracts [ 279 ] no artigo 58.º, n.º 3, do CPTA, a sua ultrapassagem determina a caducidade do direito de acção e a consequente absolvição da entidade demandada.
Ora, a aplicação concreta do prazo geral de três meses estabelecido na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 58.º do CPTA, por remissão para o Código Civil (nos termos do n.º 2 do citado preceito legal), tem gerado controvérsia, designadamente no que respeita à determinação do termo inicial desse prazo. Resumidamente, está em causa saber se as alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil têm uma aplicação cumulativa ou, pelo contrário, excludente; dito de outro modo, discute-se se o prazo impugnatório se inicia na data da ocorrência do próprio evento que faz desencadear os três meses, ou apenas no dia seguinte a esse evento.
Através do presente texto, procura-se fornecer argumentos no sentido da maior correcção desta segunda leitura, que, apesar de não merecer o acolhimento da doutrina e da jurisprudência maioritárias, se julga corresponder à interpretação preferível do quadro legal.
Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital: alguns aspectos materiais e processuais
Teresa Coelho Moreira
Professora Associada com Agregação da Escola de Direito da Universidade do Minho
Membro integrado do JusGov – Centro de Investigação em Justiça e Governação e Coordenadora do Grupo de Investigação em Direitos Humanos do mesmo Coordenadora científica do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021
Marco Carvalho Gonçalves
Professor Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho
Membro integrado do JusGov – Centro de Investigação em Justiça e Governação e membro da Comissão Diretiva do mesmo Vice-Presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho e Presidente do Conselho Pedagógico da mesma
Actualmente há uma app ou plataforma para tudo ou quase tudo, desde actividades mais simples, como entrega de alimentação, até actividades mais complexas, surgindo todos os dias novas plataformas digitais. Perante esta situação, uma das questões que assume uma enorme importância é a da qualificação das relações existentes entre quem presta a actividade nas plataformas digitais e estas. Daí a necessidade de se estabelecer uma presunção de laboralidade aplicável a estas situações. É neste contexto que surge o artigo 12.º-A do Código do Trabalho que se pretende analisar neste artigo, quer do ponto de vista de Direito substantivo como de Direito adjectivo.
Investigação criminal e a Inteligência Artificial: magia digital ou uma miragem?
André Teixeira dos Santos
Juiz de Direito
O presente estudo aborda alguns exemplos de Inteligência Artificial aplicada à investigação criminal, alertando para alguns problemas que possam suscitar, a par de sugerir em que Portugal deveria investir para melhorar a qualidade da Justiça neste campo. Potenciando o recurso à Inteligência Artificial a compressão de direitos fundamentais, são enunciados princípios nucleares a ter em conta na ponderação dos interesses em jogo, sem perder de vista a legislação e jurisprudência comunitárias.
Tributação em IRS das bolsas atribuídas aos auditores de justiça do Centro de Estudos Judiciários – Parecer do Ministério Público no STA
Carlos Lobato
Procurador-geral adjunto
Parecer emitido pelo Ministério Público no Supremo Tribunal Administrativo em Recurso para Uniformização de Jurisprudência em que era recorrente a Fazenda Pública e estava em causa a questão de determinar se as bolsas atribuídas aos auditores de justiça em formação no Centro de Estudos Judiciários são ou não tributáveis em sede de IRS.
Suspensão do prazo de duração máxima do inquérito por emissão de Decisão Europeia de Investigação – comentário aos Acórdãos do TRP de 10.03.2021 (P. 109/19.7TELSB-C.P1) e de 03.05.2023 (P. 4941/21.3T9PRT-D.P1)
Jorge Dias Duarte
Procurador-geral adjunto
Rui Cardoso
Procurador da República
Comentário crítico a dois acórdãos do TRP que decidiram no sentido de que as DEI não são cartas rogatórias e por isso a sua emissão não constitui causa de suspensão dos prazos máximos de inquérito, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 276.º do CPP. Em sentido contrário, os Autores sustentam que o conceito de “carta rogatória” que, sempre em absoluta coerência, o CPP utiliza no artigo 111.º, n.º 3, nos artigos 229.º a 232.º, no artigo 276.º, n.º 5, e no artigo 356.º, n.º 2 (comunicação entre serviços de justiça do Estado português e de outros Estados com pedido de prática de actos processuais), inclui a DEI, pois é isso que ela é.
A intenção do legislador na introdução desse preceito foi a de alargar o prazo máximo de inquérito quando a investigação fica dependente de entidades estrangeiras a quem é solicitado a realização de diligências para obtenção de prova. Para a mens legis é, pois, absolutamente irrelevante que essa solicitação a entidades judiciárias estrangeiras de EM da UE seja feita através de “carta rogatória” ou através de DEI.
Os primeiros anos de aplicação das DEI revelaram que a excessiva morosidade no cumprimento do solicitado é problema não ultrapassado. Mesmo com a DEI, continua a existir fundamento para suspender os prazos máximos de duração do inquérito.
Não suspender os prazos máximos de duração de inquérito quando há emissão de DEI será, contra a intenção do legislador, deixar a eficácia do processo penal português dependente da boa ou má vontade, do bom ou mau funcionamento de outros Estados.
The (material) completion of the act of corruption and the principle of criminal legality Notes on Constitutional Court Decision No. 90/2019
Ana Carina Nascimento
Public Prosecutor
Pedro Gama da Silva
Judge
Court Decision No. 90/2019 deemed unconstitutional the legal interpretation that considers that the (material) completion of the act of corruption occurs at the time of delivery of the advantage (and not on the date of the promise of this advantage), for violation of the principle of criminal legality.
The legal types of corruption – of iterative or reiterated structure – are constituted by a plurality of typical acts, in which some, once practiced, determine the typical or formal completion of the crime, and others, which may (or may not) occur, represent the “complete realization of the content of the offense in view of which the incrimination was foreseen” and integrate its material completion or termination. The moment of completion will depend on the acts practiced that constitute the concrete type of illicit action.
The beginning of the limitation period depends on the terms of the typical execution of the crime of corruption. In the event of formal completion, the limitation period begins to be counted for this typical manifestation. If, after, the completion is verified, it is this that prevails in the typical context, which means that the relevant moment for the beginning of the statute of limitations is the acceptance of the advantage and the delivery of the advantage and, if there is a plurality of deliveries and receipts, the availability and receipt of the last installment.
Such legal interpretation – as recognized by the Court of Appeal No. 370/2023 – is covered by the possible literal meaning of the crime of corruption and fully complies with the principle of criminal legality.
Children who are victims of domestic violence
Rui do Carmo
Jubilated Public Prosecutor
The response to behaviors that violate the fundamental rights of children, namely to violence in family relationships, is developed not only at the criminal level, but also through procedures to protect and promote their rights and civil guardianship procedures, which should constitute, in each case, a holistic approach and intervention.
Domestic violence and extinction of measures of procedural coercion: in praise of the Porto Appeal Court
André Lamas Leite
Professor at the Faculty of Law of the University of Porto
Integrated researcher at the CJS – Interdisciplinary Research Centre on Crime, Justice and Security (FDUP)
Decisions have been handed down by the Porto Appeal Court, denying the Public Prosecutor’s claim that the general regime provided for in the Code of Criminal Procedure (article 218, 1) does not apply to the precautionary measures of article 31 of Law 112/2009, 16 September. The arguments in favour and against such hermeneutics are analysed, concluding that this is yet another relevant service to Justice from that Court.
The hierarchical intervention of the Public Prosecutor’s Office: the admissibility of hierarchical orders in the investigation
Renata Soeiro
Justice Auditor
The article focuses on the admissibility of hierarchical intervention not expressly provided for by law, translated into the issuance of orders without direct legal support addressed to the magistrate responsible for the criminal investigation. The theme is considered and analyzed far beyond the issue of the autonomy of the Public Prosecutor’s Office, which, truly, assumes secondary importance in relation to what, for the author, is the core of the problem: the competence of the judicial authority to practice criminal procedural acts. Throughout the study, the criminal process is seen in a holistic perspective, not as a chain of procedural phases disconnected from each other, but rather as a logical and coherent iter with the model of control and distribution of decision-making power created by the legislator – which may be difficult to reconcile with the exercise of unlimited managerial powers and not directly legitimized by the law.
The counting of the deadline for the challenge of administrative acts – a proposal for (re)interpretation of the regime of article 279 (b) and (c) of the Civil Code
Marco Caldeira
Lawyer
Invited Assistant Professor at the Faculty of Law of the University of Lisbon Researcher at the Lisbon Public Law Research Centre (LPL) | Public Law Research Centre
The correct counting of the deadlines for challenging annullable administrative acts is an aspect of utmost importance in the application of the administrative procedural regime, since, except in special cases provided for in article 58 (3) of the CPTA, their exceedance results in the forfeiture of the right of action and the consequent acquittal of the defendant.
However, the concrete application of the general period of three months established in article 58(1)(b) of the CPTA, by reference to the Civil Code (pursuant to paragraph 2 of the aforementioned article), has generated [ 286 ] Revista do Ministério Público 174 : Abril : Junho 2023 controversy, namely with regard to the determination of the initial term of that period. Briefly, it is a question of whether articles 279 (b) and (c) of the Civil Code have a cumulative application or, on the contrary, exclusionary application; in other words, the discussion covers whether the contesting period begins on the date of the occurrence of the event that triggers the three months, or only on the day following that event.
This text seeks to provide arguments in favor of this second reading, which, despite not deserving the acceptance of the majority of doctrine and jurisprudence, is considered to correspond to the preferable interpretation of the legal framework.
Presumption of employment contract within the scope of digital platforms: some material and procedural aspects
Teresa Coelho Moreira
Associate Professor at the Law School of the University of Minho
Integrated member of JusGov – Justice and Governance Research Center and Coordinator of its Human Rights Research Group.
Scientific Coordinator of the Green Paper on the Future of Work 2021
Marco Carvalho Gonçalves
Assistant Professor at the Law School of the University of Minho
Integrated member of JusGov – Center for Justice and Governance Research and member of its Management Committee
Vice-President of the School of Law of the University of Minho and President of its Pedagogical Council
Currently, there is an app or platform for everything or almost everything, from simpler activities, such as food delivery, to more complex activities, with new digital platforms emerging every day. Faced with this situation, one of the issues that assumes enormous importance is the qualification of the relationships between those who provide the activity on digital platforms and the platforms themselves. Hence the need to establish a presumption of employment applicable to these situations. It is in this context that article 12-A of the Labor Code arises, which is intended to be analyzed in this article both from the point of view of substantive law and adjective law.
Criminal Investigation and Artificial Intelligence: digital magic or a mirage?
André Teixeira dos Santos
Judge
This study addresses some examples of Artificial Intelligence applied to criminal investigations, alerting to some problems that may arise, as well as suggesting what Portugal should invest in to improve the quality of Justice in this field. With the use of Artificial Intelligence increasing the compression of fundamental rights, core principles are enunciated to be taken into account when weighing the interests at stake, without losing sight of Community legislation and jurisprudence.