RMP – Nº 168

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Ano 42 – 2021*
Outubro | Dezembro 2021
Propriedade e Edição: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Categoria:

Resumos

As alterações climáticas, em breve num tribunal constitucional perto de si

Carla Amado Gomes
Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Professora convidada da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
Investigadora do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP)

Pedro Sampaio Minassa
Mestrando em Direito e Ciências Jurídico-Ambientais pela FDUL
Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Damásio IBMEC-SP
Membro pesquisador do CEDMAR “Vicente Marotta Rangel”
da Universidade de São Paulo
Advogado

O artigo debruça-se, em geral, sobre a tendência emergente de litigância climática no plano dos tribunais superiores europeus. Em especial, reporta-se
ao Acórdão Klimatschutzgesetz prolatado pelo Tribunal Constitucional alemão em 24 de Março de 2021, e analisa os principais argumentos utilizados
pelo Tribunal para declarar a inconstitucionalidade de algumas normas da
Lei do Clima alemã, de 2019.


Quem pode ser o defensor do direito da União Europeia?
(O “recurso por contrariedade” do artigo 70.º, n.º 1, alínea i), da LOFPTC, na fiscalização concreta do Tribunal Constitucional)

José Manuel Ribeiro de Almeida
Procurador da República

No presente estudo, o Autor argumenta no sentido de que, na previsão normativa expressa pela alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFPTC, podem também ser subsumidos os casos de recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com norma jurídica constante de tratado institutivo da União, nomeadamente do TFUE. Por conseguinte, nos termos e para os efeitos deste “recurso por contrariedade”, o Tribunal Constitucional desempenha uma competência de defensor do direito da União, no sentido em que lhe incumbe garantir o primado do direito primário da União sobre o direito legal interno, na medida do necessário à salvaguarda do efeito útil das disposições dos Tratados e no respeito pela autonomia e capacidade funcional das disposições das leis nacionais.


Em torno do Princípio da Proporcionalidade

Paulo Ferreira da Cunha
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça

Enraizado na própria dimensão intrínseca de proporção própria do Direito tout court (o Direito é uma proporção e é fruto de proporcionalidade), o princípio da proporcionalidade tem conhecido não só uma grande fortuna teórica como uma invocação prática tão alargada, em alguns países, que alguns o crêem até em risco de perder força normativa, por dissipação de sentido. Se tudo cair sob a sua alçada, nada cairia, na verdade, no âmbito dela. Invocado
a propósito e a despropósito, seria um discurso legitimador pouco sólido e convincente.

Contudo, ele está muito para além do seu mau ou dúbio uso. Pois tem uma realidade própria, e deve ser aferido pelas rigorosas doutrina e jurisprudência, que bem o balizam e aplicam. O presente artigo evoca a sua pertença a uma caixa de ferramentas jurídica básica, e relembra alguns casos em que a sua invocação poderá ser exemplar. Sempre em diálogo com outras dimensões e desafios da juridicidade. Um contributo e um convite ao bom uso do princípio.


To be or not to be: Empréstimo de prova, circulação de prova e verdade em processo penal

Inês Fernandes Godinho
Professora Associada da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto

A propósito da Decisão Europeia de Investigação, são referidos alguns aspectos processuais como ponto de partida para uma reflexão sobre o processo penal, o empréstimo e a circulação de prova e, fundamentalmente, sobre o significado da verdade em processo penal. Deste modo, a análise percorre alguns pontos que permitam problematizar o horizonte compreensivo da
nossa análise, designadamente os limites ao reconhecimento mútuo no contexto da Decisão Europeia de Investigação impostos pelo regime das proibições de prova no Código de Processo Penal português.


O crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem no desporto: em linha com o regime geral para deixar a corrupção imprópria fora-de-jogo?

Paulo Manso das Neves
Procurador da República

A Lei n.º 13/2017 introduziu o crime de oferta e recebimento indevido de vantagem no desporto, que mereceu, até ao momento, pouco tratamento pela doutrina e jurisprudência.

Neste ensaio pretende o Autor, numa abordagem prática, examinar e compreender esta neocriminalização, tentando contribuir para a sua correcta delimitação.

Neste âmbito, analisa a sua origem, onde verifica que se trata de um tipo de crime único na Europa. A par, regista que a especificidade do desporto fez com que o legislador se afastasse dos deveres funcionais dos agentes ou da tripartição clássica do fenómeno corruptivo e se centrasse antes no condicionamento do resultado ou da competição. Ou seja, ao contrário do que sucede no regime da corrupção dos agentes públicos, no desporto não se distingue a natureza lícita ou ilícita do acto mercadejado associado à vantagem.

Deste modo, na análise da sua estrutura típica, verifica que a nova realidade criminal abrange todas as ofertas e recebimentos de vantagens que, não integradas na corrupção desportiva, tenham, ainda, aptidão para causar lesão ao bem jurídico protegido: integridade da competição desportiva (regulamentada e relevante), na sua dimensão ética, cultural e económica.
Por fim, com auxílio de um caso tratado pelos tribunais espanhóis, conclui que nele cabem não só fenómenos de corrupção sem acto concreto definido, como também actos próprios de corrupção imprópria.


Vigilância massiva de passageiros aéreos – Brevíssimas notas sobre a protecção da privacidade e dos dados pessoais à luz
do direito da União Europeia

Manuel Aires Magriço
Magistrado do Ministério Público

Os programas de vigilância aérea de passageiros tiveram o seu início na década de 1960, no sentido de lidar com o aumento de casos de desvio de aeronaves que teve lugar naquele período, nos Estados Unidos da América (EUA), tendo sofrido um impulso assinalável em decorrência dos ataques terroristas de 11 de Setembro.

A evolução do pensamento europeu nesta matéria foi influenciada quer pelas soluções implementadas nos EUA quer por eventos exteriores, querendo isto significar que, em virtude dos ataques de 11 de Setembro e à medida que a União Europeia (UE) se sentiu mais vulnerável devido à ameaça terrorista, se verificou uma mudança de visão em relação às garantias tendencialmente absolutas de não intromissão na vida privada, em prol de programas de vigilância antiterroristas de protecção.

Não obstante, pese embora a aproximação da UE aos EUA quanto à utilização de dados PNR (número de identificação de passageiro) para efeitos de prevenção, detecção, investigação e repressão das infracções terroristas e da criminalidade grave, a Directiva (UE) 2016/681, de 27 de Abril, consagra um conjunto robusto de garantias em matéria de protecção de dados pessoais, embora não totalmente isento de críticas, nomeadamente no que respeita à utilização de ferramentas de análise preditiva.


A deslocação e a retenção ilícitas à luz da Convenção da Haia de 1980
e do Regulamento Bruxelas II bis, e a sua conformação jurisprudencial

Chandra Gracias
Juíza de direito

O texto debruça-se a problemática da deslocação e retenção ilícitas, e das relações que se estabelecem entre Convenção da Haia de 1980, com o Regulamento Bruxelas II bis e o futuro Bruxelas II ter. Para a sua melhor compreensão são abordados aspectos relativos ao direito de participação e audição da criança, a noção de residência habitual, o impacto quer da CDFUE, como da CEDH na jurisprudência do TEDH e do TJUE, e os reflexos desta jurisprudência no panorama nacional.

Abstracts

Climate change, coming soon to a constitutional court near you

Carla Amado Gomes
Assistant Professor at the Faculty of Law of the University of Lisbon
Invited Professor at the Faculty of Law of the Portuguese Catholic University (Porto)
Researcher at the Public Law Research Center (CIDP)

Pedro Sampaio Minassa
Master’s student in Law and Legal-Environmental Sciences at FDUL
Postgraduate in Public Law from Faculdade Damásio IBMEC-SP
Researcher member of CEDMAR “Vicente Marotta Rangel”
of the University of São Paulo
Lawyer

The article focuses, in general, on the emerging trend of climate litigation at the level of European higher courts. In particular, it refers to the Klimatschutzgesetz Judgment handed down by the German Constitutional Court on 24 March 2021, and analyzes the main arguments used by the Court to declare certain norms of the German Climate Law of 2019 unconstitutional.


Who can be the de-fender of European Union law? (The “appeal for opposition” of article 70(1)(i)
of the LOFPTC, in the concrete inspection of the Constitutional Court)

José Manuel Ribeiro de Almeida
Public Prosecutor

In this study, the Author argues that, in the normative provision set in article 70(1)(i) of the LOFPTC, cases of refusal to apply a rule contained in a legislative act may cover cases where the act an institutional treaty of the Union, namely the TFEU. Therefore, under the terms and for the purposes of this “appeal for an opposition”, the Constitutional Court performs the competence of defending Union Law, in the sense that it is responsible for guaranteeing the primacy of the primary Law of the Union over domestic legal law, necessary to safe guard the useful effect of the provisions of the Treaties and respect for the autonomy and functional capacity of national provisions.


The Proportionality Principle

Paulo Ferreira da Cunha
Judge at the Supreme Court of Justice

Rooted in the intrinsic dimension of the proper proportion of Law tout court (Law is a proportion and is the result of proportionality), the principle of proportionality has known not only great theoretical fortune, but also a practical application so broad, in some countries, that some they even believe that it is at risk of losing normative force, due to dissipation of meaning. If everything
falls within its purview, nothing would actually fall within its purview.

Invoked haphazardly, it would be an unsound and unconvincing legitimizing discourse. However, it is far beyond its misuse or dubious use. Because it has a reality of its own and must be checked by rigorous doctrine and jurisprudence, which guide and apply it well. This article confirms its belonging to a basic legal toolbox, and recalls some cases where its invocation could be exemplary. Always in dialogue with other dimensions and challenges of legality.

A contribution and an invitation to the good use of the principle.


To be or not to be: Loan of evidence, circulation of evidence and truth in criminal proceedings

Inês Fernandes Godinho
Associate Professor at the Faculty of Law and Political Science of the Lusófona University of Porto

With regard to the European Investigation Order, some procedural aspects are referred to as a starting point for a reflection on the criminal process, the loan and circulation of evidence and, fundamentally, on the meaning of truth in criminal proceedings. In this way, the analysis goes through some points that allow us to frame the comprehensive horizon of our analysis, namely the limits to mutual recognition in the context of the European Investigation Decision imposed by the system of prohibitions of evidence in the Portuguese Code of Criminal Procedure.


The crime of improperly offering or receiving an advantage in sport: in line with the general regime to leave
improper corruption out of the game?

Paulo Manso das Neves
Public Prosecutor

Law No. 13/2017 introduced the crime of improper offer and receipt of an advantage in sport, which has so far received little analysis by doctrine and jurisprudence.

In this essay, the Author intends, from a practical approach, to examine and understand this neo criminalization, trying to contribute to its correct definition.

In this context, the Author analyzes its origin, confirming that it is a type of crime that is unique in Europe. At the same time, it is noted that the specificity of sport made the legislator move away from the functional duties of agents and from the classical tripartite structure of the corruption process and focus instead on the conditioning of the result or competition. In other words, contrary to what happens in the corruption of public agents regime, in sport, the legal or illegal nature of the act which generates the advantage is not discriminated.

Thus, in the analysis of its typical structure, it is verified that this new criminal reality encompasses all offer and receipt of advantages that, albeit not integrated in sports corruption, are also capable of damaging the protected legal interest: the integrity of sports competition (as regulated and relevant), in its ethical, cultural and economic dimensions.

Finally, with the help of a case dealt with by the Spanish courts, he concludes that it includes not only phenomena of corruption without a concrete act, but also specific acts of improper corruption.


Mass surveillance of air passengers – Very brief notes on the protection of privacy and personal data under EU law

Manuel Aires Magriço
Public Prosecutor

Air passenger surveillance programs began in the 1960s to deal with the increase of cases of aircraft diversions that took place in that period in the United States of America (USA), having undergone a significant boost as a result of the September 11 terrorist attacks.

The evolution of European thinking in this matter was influenced either by solutions implemented in the USA or by external events, meaning that, due to the attacks of September 11 and as the European Union (EU) felt more vulnerable due to the threat of terrorism, there was a change of view in relation to what tended to be absolute guarantees of non-interference in private life, in favor of anti-terrorist surveillance programs for protection.

Nevertheless, despite the approximation of the EU to the US regarding the use of PNR data (passenger identification number) for the purpose of preventing, detecting, investigating and prosecuting terrorist offenses and serious crime, Directive (EU) 2016/681, of 27 April, enshrines a robust set of guarantees in terms of the protection of personal data, although not entirely free from criticism, namely with regard to the use of predictive analysis tools.


Unlawful removal and retention in light of the 1980 Hague Convention and the Brussels II bis Regulation, and its jurisprudential conformation

Chandra Gracias
Judge

The text addresses the issue of illicit relocation and retention, and the relationship established be-tween the 1980 Hague Convention, the Brussels II bis Regulation and the future Brussels II ter. For a better understanding, aspects related to the child’s right of participation and right to a hearing, the notion of habitual residence, the impact of both the CDFUE and the ECHR on the jurisprudence of the ECtHR and the ECJ, and the consequences of this jurisprudence on the national landscape are addressed.

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