Resumos
Apoio para autonomia de vida e acompanhamento de jovem-maior: a coordenação como necessidade, possibilidade e contingência no melhor dos mundos possíveis
J. P. Ribeiro de Albuquerque
Procurador da República
A conjugação de decisões é uma opera onde se deveria ouvir a harmonia do direito como tecnologia do dever-ser, sabendo-se de antemão que o direito que se interpreta e aplica tem consequências concretas na vida das pessoas. É isso que se procura aqui explorar ao dar exemplo de como se poderiam combinar decisões de promoção e protecção com as de acompanhamento de maior; particularmente quando se destinam ao mesmo jovem-adulto com diversidade funcional cujo projecto de vida é a sua autonomização.
Quando aqueles dois mundos se cruzam espera-se dos actores judiciários uma intervenção informada, reflexiva, harmonizada e prática – como se fossem maestros – que encare o teste do real em toda a sua complexidade, tanto no juízo da iniciativa, como no da decisão. O resultado tanto será moldado por essa complexidade, como acabará por modelar novas práticas, novas competências e novas dinâmicas, realizando o direito como tecnologia de emancipação e de melhor futuro, construindo processos sociais de identidade por via de uma tutela jurisdicional efectiva, impulsionadora da evolução dos valores, da transformação da sociedade e das próprias instituições judiciárias, muitas vezes a última esperança do sistema público.
Procedimento para acusação e garantias próprias do processo penal – dos princípios do sistema normativo à Directiva n.º 4/2020 da Procuradora-Geral da República
Paulo Dá Mesquita
Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas
O presente artigo tem por objecto as Directivas n.ºs 1/2020 e 4/2020 da Procuradora-Geral da República, que suscitam questões jurídicas relevantes ao nível do estatuto constitucional e legal do Ministério Público e também sobre princípios e normas legais de Processo Penal.
Conclui o Autor que a Directiva n.º 1/2020 compreendeu soluções que, além de violarem o sentido e âmbito das garantias processuais dos actos do inquérito, eram incompatíveis com a natureza procedimental do inquérito e respetivo enquadramento no processo penal e se sustentam em vícios conceptuais de raiz, em particular sobre o sentido e implicações dos conceitos de autonomia do Ministério Público e poder de direcção hierárquica.
Mais conclui que a Directiva n.º 4/2020 mantém os aludidos vícios, passa a ser contraditória com os fundamentos da anterior, desrespeita a reserva de lei e invade competências próprias de órgãos de soberania legislativos e judiciais, ao mesmo tempo que amplia a violação de garantias processuais.
Pena, juiz, legislador e jurisprudência – alguns problemas
Manuel Simas Santos
Investigador integrado do JUSCRIM
Neste artigo, o Autor aborda a questão da determinação e aplicação das penas, designadamente de prisão, de um ponto de vista global. Embora a imposição e a determinação da pena (sentencing) estejam entre as fases mais importantes do processo penal, na prática, ocupam normalmente uma parte muito pequena de todo o processo, com pouco ou nenhuma produção de prova testemunhal ou sem exame de outro material probatório, e sem fundamentar plenamente as decisões do tribunal sobre a pena, com referência aos factos, o que contribui para uma grande heterogeneidade das decisões proferidas pelos tribunais criminais. Desta forma, são violados, numa área crucial, os direitos dos arguidos, uma vez que são ofendidos princípios jurídicos fundamentais, como o princípio da igualdade, da equidade do processo, mas também da segurança jurídica, ou seja, a possibilidade de todos saberem com relativa exatidão e antecipação as prováveis consequências de seus atos puníveis.
O Autor procura respostas para esse problema, analisando as suas várias causas e dimensões, nomeadamente: a necessidade de consagração directa no Código de Processo Penal da aplicação de uma pena como uma fase distinta do processo penal; a multiplicidade de molduras penais, sua amplitude, limites mínimos, modelo de agravação e a sua incoerência face aos bens jurídicos protegidos; a falta de indicação clara na lei dos factores a atender e os critérios que o juiz deve respeitar na individualização judicial da pena; a necessidade de verdadeira fundamentação da decisão sobre a pena; o estudo sobre as penas habitualmente aplicadas a cada crime pelos tribunais; e as sentencing guidelines.
‘Diabolus ex machina’?
Do recurso extraordinário de revisão de sentença penal
Paulo Ferreira da Cunha
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
Recursos são, em tese, uma procura de mais ou melhor Justiça. Há, aliás, um Direito Constitucional ao recurso penal. Naturalmente inserido nesse contexto, o recurso extraordinário de revisão de sentença penal não pode deixar de ser uma das excepções ao magno princípio do caso julgado. Evidentemente, porém, que a excepção não afecta a regra, em termos gerais.
Neste artigo, percorrendo de forma sucinta alguma jurisprudência e doutrina com a questão pertinentes, procura-se contribuir para indagar tanto virtualidades como alegados e eventuais abusos ou derivas que tal recurso possa potenciar em teoria, ou assumir concretamente. As expressões “apelação disfarçada” e diabolus ex machina, até pela sua impressividade, instigam à análise. Não, certamente, para atacar liminarmente ou em absoluto a virtude (e virtualidades) deste recurso e dos recursos em geral, mas como convite a ponderar alguns possíveis efeitos colaterais da situação de iure constituto e da realidade judicial sociológica consequente, neste âmbito. Trata-se, pois, de uma brevíssima e introdutória equacionação do problema, simplesmente um contributo para a reflexão.
Revisitando o Acórdão do STJ n.º 4/2017 e o instituto da suspensão provisória do processo – deve o período de inibição de conduzir cumprido na injunção aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo ser descontado no quantum da pena acessória de proibição de conduzir?
Rui Meirinhos
Juiz de Direito
Partindo da análise do instituto da suspensão provisória do processo e da respectiva concordância judicial, o artigo aflora a questão subjacente ao Acórdão do STJ n.º 4/2017, criticando a jurisprudência ali fixada e aderindo à tese do desconto do período cumprido da injunção da proibição de conduzir veículo automóvel no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir aplicada, invocando, para o efeito, fundamentos de ordem legal e constitucional. Relativamente a estes últimos, conclui-se que a interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no referido aresto não se mostra conforme com a Constituição, por violação dos princípios da proporcionalidade (proibição do excesso) e do ne bis in idem (na sua vertente substantiva), consubstanciando uma duplicação da restrição do exercício da condução fundada na prática do mesmo facto.
Responsabilidade civil do Estado por erro judiciário: da “law in books” à “law in action”: mind the gap
Ricardo Pedro
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Investigador do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP)
O presente texto debruça-se sobre o tema da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário. Para além da contextualização do tema no âmbito da responsabilidade civil do Estado pela administração da Justiça, abordam- -se os aspectos mais problemáticos do artigo 13.º do anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro: (i) pressupostos indemnizatórios e (ii) prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. Por fim, deixam-se algumas notas sobre o regime previsto no artigo 12.º da referida lei, tendo em conta a dimensão de complementaridade que este apresenta em relação ao regime previsto no artigo 13.º.
Da (in)existência de um princípio geral de proibição do deferimento tácito da licença ambiental na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – um diálogo com o Direito Português
Beatriz Rebelo Garcia
Jurista, Assistente Convidada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestranda em Direito Administrativo e Pós-Graduada em Direito do Ambiente na mesma Faculdade
O presente artigo tem por objecto o estudo do deferimento tácito de licenças ambientais, plasmado, no ordenamento jurídico português, no artigo 23.º do Regime Jurídico da Licença Ambiental (Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto), por influência do Direito da União Europeia. Em virtude das dúvidas quanto à operacionalidade desta figura no campo do Direito do Ambiente e à compatibilidade com os seus princípios gerais, analisa a jurisprudência do TJUE sobre a matéria, pugnando por uma melhor compreensão e aplicação do regime português da licença ambiental.
Quando o próprio tira a vida a si mesmo – eutanásia e suicídio na lei holandesa em toda a sua amplitude?
Irene Sagel Grande
Professora Emérita da Universidade de Groningen, Holanda.
Foi também Professora no Departamento de Direito Penal e Criminologia, bem como no Departamento de História do Direito, Direito Internacional Privado e Direito Privado Comparado em Leiden, Holanda.
A temática da regulamentação legislativa da eutanásia na Holanda, bem como de aspectos relativos à respectiva implementação, foi abordada pela Autora na Revista do Ministério Público, número 152, de 2017.
No artigo agora publicado, a Autora prossegue o tratamento das mesmas questões a partir do momento temporal em que as deixou.
Trata, nomeadamente, de uma investigação prospectiva realizada nos Países Baixos sobre o desejo de morrer de pessoas, sem doença grave com 55 ou mais anos, investigação primariamente relacionada com a questão de saber se e em que medida o conceito de “vida completa”, que vem a ser discutido há alguns anos como possível justificação para eutanásia, se compagina com a realidade. Esta investigação vem a estar conexionada precisamente com a proposta de lei sobre “Vida Concluída”, já mencionada, na sua fase embrionária, no artigo precedente. A proposta, à altura ainda não submetida em sede parlamentar, foi apresentada ao Parlamento em Julho de 2020.
Tendo sido os Países Baixos o primeiro país a legislar sobre a eutanásia (aprovação em 2001 e entrada em vigor em 2002), o conhecimento da sua experiência pode ter interesse para Portugal. Na verdade, a aprovação pela Assembleia da República do Decreto n.º 109/XIV, de Janeiro de 2021, entretanto não entrado em vigor pela declaração de inconstitucionalidade de algumas das suas normas, confere à temática a máxima actualidade.