RMP – Nº 166

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Ano 42 – 2021*
Abril | Junho 2021
Propriedade e Edição: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Categoria:

Resumos

Apoio para autonomia de vida e acompanhamento de jovem-maior: a coordenação como necessidade, possibilidade e contingência no melhor dos mundos possíveis

J. P. Ribeiro de Albuquerque
Procurador da República

A conjugação de decisões é uma opera onde se deveria ouvir a harmonia do direito como tecnologia do dever-ser, sabendo-se de antemão que o direito que se interpreta e aplica tem consequências concretas na vida das pessoas. É isso que se procura aqui explorar ao dar exemplo de como se poderiam combinar decisões de promoção e protecção com as de acompanhamento de maior; particularmente quando se destinam ao mesmo jovem-adulto com diversidade funcional cujo projecto de vida é a sua autonomização.

Quando aqueles dois mundos se cruzam espera-se dos actores judiciários uma intervenção informada, reflexiva, harmonizada e prática – como se fossem maestros – que encare o teste do real em toda a sua complexidade, tanto no juízo da iniciativa, como no da decisão. O resultado tanto será moldado por essa complexidade, como acabará por modelar novas práticas, novas competências e novas dinâmicas, realizando o direito como tecnologia de emancipação e de melhor futuro, construindo processos sociais de identidade por via de uma tutela jurisdicional efectiva, impulsionadora da evolução dos valores, da transformação da sociedade e das próprias instituições judiciárias, muitas vezes a última esperança do sistema público.


Procedimento para acusação e garantias próprias do processo penal – dos princípios do sistema normativo à Directiva n.º 4/2020 da Procuradora-Geral da República

Paulo Dá Mesquita
Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas

O presente artigo tem por objecto as Directivas n.ºs 1/2020 e 4/2020 da Procuradora-Geral da República, que suscitam questões jurídicas relevantes ao nível do estatuto constitucional e legal do Ministério Público e também sobre princípios e normas legais de Processo Penal.

Conclui o Autor que a Directiva n.º 1/2020 compreendeu soluções que, além de violarem o sentido e âmbito das garantias processuais dos actos do inquérito, eram incompatíveis com a natureza procedimental do inquérito e respetivo enquadramento no processo penal e se sustentam em vícios conceptuais de raiz, em particular sobre o sentido e implicações dos conceitos de autonomia do Ministério Público e poder de direcção hierárquica.

Mais conclui que a Directiva n.º 4/2020 mantém os aludidos vícios, passa a ser contraditória com os fundamentos da anterior, desrespeita a reserva de lei e invade competências próprias de órgãos de soberania legislativos e judiciais, ao mesmo tempo que amplia a violação de garantias processuais.


Pena, juiz, legislador e jurisprudência – alguns problemas

Manuel Simas Santos
Investigador integrado do JUSCRIM

Neste artigo, o Autor aborda a questão da determinação e aplicação das penas, designadamente de prisão, de um ponto de vista global. Embora a imposição e a determinação da pena (sentencing) estejam entre as fases mais importantes do processo penal, na prática, ocupam normalmente uma parte muito pequena de todo o processo, com pouco ou nenhuma produção de prova testemunhal ou sem exame de outro material probatório, e sem fundamentar plenamente as decisões do tribunal sobre a pena, com referência aos factos, o que contribui para uma grande heterogeneidade das decisões proferidas pelos tribunais criminais. Desta forma, são violados, numa área crucial, os direitos dos arguidos, uma vez que são ofendidos princípios jurídicos fundamentais, como o princípio da igualdade, da equidade do processo, mas também da segurança jurídica, ou seja, a possibilidade de todos saberem com relativa exatidão e antecipação as prováveis consequências de seus atos puníveis.

O Autor procura respostas para esse problema, analisando as suas várias causas e dimensões, nomeadamente: a necessidade de consagração directa no Código de Processo Penal da aplicação de uma pena como uma fase distinta do processo penal; a multiplicidade de molduras penais, sua amplitude, limites mínimos, modelo de agravação e a sua incoerência face aos bens jurídicos protegidos; a falta de indicação clara na lei dos factores a atender e os critérios que o juiz deve respeitar na individualização judicial da pena; a necessidade de verdadeira fundamentação da decisão sobre a pena; o estudo sobre as penas habitualmente aplicadas a cada crime pelos tribunais; e as sentencing guidelines.


Diabolus ex machina’?
Do recurso extraordinário de revisão de sentença penal

Paulo Ferreira da Cunha
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça

Recursos são, em tese, uma procura de mais ou melhor Justiça. Há, aliás, um Direito Constitucional ao recurso penal. Naturalmente inserido nesse contexto, o recurso extraordinário de revisão de sentença penal não pode deixar de ser uma das excepções ao magno princípio do caso julgado. Evidentemente, porém, que a excepção não afecta a regra, em termos gerais.

Neste artigo, percorrendo de forma sucinta alguma jurisprudência e doutrina com a questão pertinentes, procura-se contribuir para indagar tanto virtualidades como alegados e eventuais abusos ou derivas que tal recurso possa potenciar em teoria, ou assumir concretamente. As expressões “apelação disfarçada” e diabolus ex machina, até pela sua impressividade, instigam à análise. Não, certamente, para atacar liminarmente ou em absoluto a virtude (e virtualidades) deste recurso e dos recursos em geral, mas como convite a ponderar alguns possíveis efeitos colaterais da situação de iure constituto e da realidade judicial sociológica consequente, neste âmbito. Trata-se, pois, de uma brevíssima e introdutória equacionação do problema, simplesmente um contributo para a reflexão.


Revisitando o Acórdão do STJ n.º 4/2017 e o instituto da suspensão provisória do processo – deve o período de inibição de conduzir cumprido na injunção aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo ser descontado no quantum da pena acessória de proibição de conduzir?

Rui Meirinhos
Juiz de Direito

Partindo da análise do instituto da suspensão provisória do processo e da respectiva concordância judicial, o artigo aflora a questão subjacente ao Acórdão do STJ n.º 4/2017, criticando a jurisprudência ali fixada e aderindo à tese do desconto do período cumprido da injunção da proibição de conduzir veículo automóvel no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir aplicada, invocando, para o efeito, fundamentos de ordem legal e constitucional. Relativamente a estes últimos, conclui-se que a interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no referido aresto não se mostra conforme com a Constituição, por violação dos princípios da proporcionalidade (proibição do excesso) e do ne bis in idem (na sua vertente substantiva), consubstanciando uma duplicação da restrição do exercício da condução fundada na prática do mesmo facto.


Responsabilidade civil do Estado por erro judiciário: da “law in books” à “law in action”: mind the gap

Ricardo Pedro
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Investigador do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP)

O presente texto debruça-se sobre o tema da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário. Para além da contextualização do tema no âmbito da responsabilidade civil do Estado pela administração da Justiça, abordam- -se os aspectos mais problemáticos do artigo 13.º do anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro: (i) pressupostos indemnizatórios e (ii) prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. Por fim, deixam-se algumas notas sobre o regime previsto no artigo 12.º da referida lei, tendo em conta a dimensão de complementaridade que este apresenta em relação ao regime previsto no artigo 13.º.


Da (in)existência de um princípio geral de proibição do deferimento tácito da licença ambiental na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – um diálogo com o Direito Português

Beatriz Rebelo Garcia
Jurista, Assistente Convidada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestranda em Direito Administrativo e Pós-Graduada em Direito do Ambiente na mesma Faculdade

O presente artigo tem por objecto o estudo do deferimento tácito de licenças ambientais, plasmado, no ordenamento jurídico português, no artigo 23.º do Regime Jurídico da Licença Ambiental (Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto), por influência do Direito da União Europeia. Em virtude das dúvidas quanto à operacionalidade desta figura no campo do Direito do Ambiente e à compatibilidade com os seus princípios gerais, analisa a jurisprudência do TJUE sobre a matéria, pugnando por uma melhor compreensão e aplicação do regime português da licença ambiental.


Quando o próprio tira a vida a si mesmo – eutanásia e suicídio na lei holandesa em toda a sua amplitude?

Irene Sagel Grande
Professora Emérita da Universidade de Groningen, Holanda.
Foi também Professora no Departamento de Direito Penal e Criminologia, bem como no Departamento de História do Direito, Direito Internacional Privado e Direito Privado Comparado em Leiden, Holanda.

A temática da regulamentação legislativa da eutanásia na Holanda, bem como de aspectos relativos à respectiva implementação, foi abordada pela Autora na Revista do Ministério Público, número 152, de 2017.

No artigo agora publicado, a Autora prossegue o tratamento das mesmas questões a partir do momento temporal em que as deixou.

Trata, nomeadamente, de uma investigação prospectiva realizada nos Países Baixos sobre o desejo de morrer de pessoas, sem doença grave com 55 ou mais anos, investigação primariamente relacionada com a questão de saber se e em que medida o conceito de “vida completa”, que vem a ser discutido há alguns anos como possível justificação para eutanásia, se compagina com a realidade. Esta investigação vem a estar conexionada precisamente com a proposta de lei sobre “Vida Concluída”, já mencionada, na sua fase embrionária, no artigo precedente. A proposta, à altura ainda não submetida em sede parlamentar, foi apresentada ao Parlamento em Julho de 2020.

Tendo sido os Países Baixos o primeiro país a legislar sobre a eutanásia (aprovação em 2001 e entrada em vigor em 2002), o conhecimento da sua experiência pode ter interesse para Portugal. Na verdade, a aprovação pela Assembleia da República do Decreto n.º 109/XIV, de Janeiro de 2021, entretanto não entrado em vigor pela declaração de inconstitucionalidade de algumas das suas normas, confere à temática a máxima actualidade.

Abstracts

Support for autonomy and assistance to young adults: Coordination as a necessity, a possibility and as a contingency, in the best possible way

J. P. Ribeiro de Albuquerque
Public Prosecutor

The ensemble of decisions is an opera where one should hear the harmony of law as a tool for justice, knowing that the law that is interpreted and applied has concrete consequences in people’s lives. This is what we are trying to explore here by giving an example of how promotion and protection decisions could be combined with assistance decisions; particularly when they are aimed at the same young adults with diverse functional abilities, where their life project is their autonomy.

When those two worlds intersect, judicial actors are expected to provide an informed, thoughtful, harmonized and practical involvement – as if they were conductors – that faces the test of reality in all its complexity, both in the judgment of the initiative and of the decision. The result will simultaneously be shaped by this complexity and will eventually shape new practices, new skills and new dynamics, realizing law as a tool for emancipation and a better future, building social identity processes through effective jurisdictional protection, driving the evolution of values, the transformation of society and the judicial institutions themselves, often the last hope for the public system.


Procedure for prosecution and guarantees specific to criminal proceedings – from the principles of the normative system to Directive No. 4/2020 of the Prosecutor General

Paulo Dá Mesquita
Judge at the Court of Auditors

The purpose of this article is to look at Directives 1/2020 and 4/2020 of the Prosecutor General’s Office, which raise relevant legal issues in terms of the constitutional and legal status of the Public Prosecution Service and also of the legal principles and rules of Criminal Procedure.

The Author concludes that Directive 1/2020 includes solutions that, in addition to violating the meaning and scope of the procedural guarantees for the act of investigation, were incompatible with the procedural nature of the investigation and its respective framework in the criminal procedure and are based on defective root concepts, in particular on the meaning and implications of the concepts of autonomy of the Public Ministry and the power of hierarchy.

Although Directive 4/2020 maintains the aforementioned vices, it contradicts the foundations of the above Directive, disrespects the rule of law and encroaches on the competences of legislative and judicial sovereign bodies, while violating procedural guarantees.


Penalty, judge, legislator and jurisprudence – some problems

Manuel Simas Santos
Investigator at JUSCRIM

In this article, the Author addresses the issue of the determination and application of sentences, namely imprisonment, from a global perspective. Despite the fact that the imposition and determination of the penalty (sentencing) is among the most important phases in the criminal process, in practice it normally occupies a very small part of the whole process, with little or no production of testimonial evidence or no examination of other evidential material, and without fully substantiating the court’s decisions on the penalty, with reference to the facts, which contributes to a great heterogeneity of the decisions by the criminal courts. In this way, the rights of defendants are violated, in a crucial aspect, since fundamental legal principles are overlooked, such as the principle of equality, fairness of the process, but also legal certainty, that is, the possibility for everyone to know with relative certainty the likely consequences of their punishable acts.

The Author seeks answers to this problem, analyzing its various causes and dimensions, namely: the need for direct enshrinement of the application of a penalty as a distinct phase of the criminal procedure in the Criminal Procedure Code; the multiplicity of penal frameworks, their amplitude, minimum limits, aggravation model and their inconsistency, considering the legal interests being protected; the lack of clear indication in the law of the factors to be considered and the criteria that the judge must respect in the judicial individualization of the penalty; the need for a true basis for the decision on the penalty; the study of the penalties usually applied to each crime by the courts; and the sentencing guidelines.


‘Diabolus ex machina’?
Extraordinary appeal for review of criminal sentencing

Paulo Ferreira da Cunha
Judge at the Supreme Court of Justice

Appeals are, in theory, a search for greater or better Justice. There is, in fact, a Constitutional Right to criminal appeal. Naturally inserted in this context, the extraordinary appeal for reviewing a criminal sentence cannot but be one of the exceptions to the great principle of res judicata. Evidently, however, the exception does not affect the rule in general terms.

This article, succinctly covering jurisprudence and doctrine of the pertinent question, is intended to contribute to the investigation of both the advantages and the (alleged and possible) abuses or deviations that such a recourse may bring about in theory or in practice. The expressions “disguised appeal” and diabolus ex machina, because of their impressiveness, urge analysis. Not to attack outright the virtue (and potential) of this recourse and of recourses in general, but as an invitation to consider some possible side effects of the de jure constituto situation and the consequent sociological judicial reality, in this context. It is, therefore, a very brief and introductory analysis of the problem, simply for reflection.


Revisiting SCJ Judgment No. 4/2017 and the provisional suspension of a case – should the driving prohibition period completed during the order applied in the context of the provisional suspension of the case be subtracted from the total length of the driving prohibition penalty?

Rui Meirinhos
Judge

Based on the analysis of provisional suspension of a case and respective judicial confirmation, the article touches on the underlying issue of SCJ Judgment No. 4/2017, and criticizes the jurisprudence established therein, adhering to the opposing position instead – that the suspension period served following an injunction decision should be discounted from the order prohibiting the driving of a motor vehicle, invoking, for that purpose, legal and constitutional grounds. Regarding the latter, the conclusion is that the interpretation adopted by the Supreme Court of Justice in the aforementioned decision does not follow the Constitution, as it violates the principle of proportionality (prohibition of excess) and the principle of ne bis in idem (in its substantive aspect), resulting in a duplication of the driving prohibition penalty based on the practice of the same fact.


State civil liability for miscarriages of justice: from “law in books” to “law in action”: mind the gap

Ricardo Pedro
Doctor in Law from the Law Faculty of Nova University Lisbon. Researcher at CEDIS – Center for Legal Research & Development and the Nova University Law Faculty Society.

This text addresses the issue of State civil liability for miscarriages of justice.

In addition to the contextualization of the topic within the scope of State civil liability for the administration of Justice, the most problematic aspects of article 13 of the annex to Law 67/2007 of 31 December, are addressed: (i) indemnity assumptions and (ii) prior revocation of the harmful decision by the competent jurisdiction. Finally, there are some notes on the regime provided for in article 12 of the aforementioned law, taking into account the complementary dimension that it presents in relation to the regime provided for in article 13.


The (in)existence of a general principle prohibiting the tacit granting of an environmental license in the jurisprudence of the Court of Justice of the European Union – a dialogue with Portuguese Law

Beatriz Rebelo Garcia
Lawyer, Guest Assistant at the Faculty of Law of the University of Lisbon, Masters in Administrative Law and Post-Graduate in Environmental Law from the same Faculty

The purpose of this article is to study the tacit approval of environmental licenses, embodied in the Portuguese legal system in article 23 of the Legal Regime for Environmental Licenses (Decree-Law No. 127/2013, of 30 August), influenced by European Union law. Analysing several decisions by the Court of Justice of the European Union concerning the functioning of this feature in the field of Environmental Law, we strive for a better understanding and application of the Portuguese regime related to environmental licenses.


Taking one’s own life – euthanasia and suicide in dutch law

Irene Sagel Grande
Professor Emeritus at the University of Groningen, Netherlands.
She was also a Professor at the Department of Criminal Law and Criminology, as well as in the Department of Legal History, Private International Law and Comparative Private Law in Leiden, Netherlands

The topic of the legislative regulation of euthanasia in the Netherlands, as well as aspects related to its implementation, was addressed by the author in the Revista do Ministério Público, number 152, of 2017.

In this article, the author continues to deal with the same issues from where she concluded.

In particular, it deals with a prospective investigation carried out in the Netherlands on the wish to die of people, without serious illness, aged 55 and over. The research was primarily related to the question of whether and to what extent the concept of “full life”, which has been discussed for some years as a possible justification for euthanasia, fits in with reality. This investigation connects precisely with the proposed law on “Concluded Life”, already mentioned, in its embryonic stage, in the preceding article. The proposal, at the time not yet submitted to Parliament, was presented to Parliament in July 2020.

As the Netherlands was the first country to legislate on euthanasia (approved in 2001 and entered into force in 2002), knowledge of its experience may be of interest to Portugal. In fact, the approval by the Assembly of the Republic of Decree No. 109/XIV, of January 2021, despite not entering into force based on a declaration of unconstitutionality of some of its provisions, gives the topic the utmost focus.

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